‘Ndrangheta, renascimento de Scott. Libera: “24 de dezembro de 2019 – 24 de dezembro de 2023: o caminho é o certo e está traçado”

Quatro anos se passaram desde 24 de dezembro de 2019, quando, no rescaldo da operação Rinascita-Scott, milhares de pessoas decidiram sair às ruas para expressar a sua gratidão às mulheres e aos homens da força policial e do poder judiciário. Um dia histórico para o território calabreso e não só, cuja memória ainda emociona e pinta, de forma emblemática, o retrato de uma população que levanta a cabeça e, de costas direitas, reivindica o direito de viver e viver os seus próprios lugares sem medo e superando a resignação.

Os passos dados ao longo da marcha de 24 de Dezembro permitiram traçar novos caminhos e construir sinergias e alianças educativas, motor de esperança e mudança.

Entretanto, o julgamento resultante daquela operação concluiu em primeira instância com um veredicto que confirma quase inteiramente o sistema acusatório da DDA de Catanzaro e que permite reconstruir, não só juridicamente, a visão unitária da ‘Ndrangheta, mas também o elevado número de ‘ndrinas presentes e ativas num contexto territorial não muito extenso, como o de Vibo. Uma sentença que atinge, com penas pesadas, a ala mais violenta e cruel do crime organizado que, durante décadas, manteve sob controlo e influenciou fortemente a vida social, económica e política do território. Um pronunciamento que demonstra o desaparecimento do sentimento de impunidade que prevaleceu durante demasiado tempo, gerando medo e subjugação.

Um acórdão que também reforçou o vínculo interinstitucional entre cidadãos e instituições, fundamental para o combate, inclusive cultural, à ‘Ndrangheta. A partir de uma análise cuidadosa e aprofundada destes processos judiciais e sociais atualmente em curso, é possível identificar algumas dinâmicas disruptivas que podem representar um ponto de viragem substancial na afirmação da força do Estado contra a violência da máfia.

Em primeiro lugar, a reacção do povo, de uma “sociedade civil” cada vez mais cansada de sofrer opressões e abusos, de testemunhar a proliferação de um poder violento e abusivo que tem sido a causa do subdesenvolvimento, da negação dos direitos mais básicos, da pobreza e da emigração. População que transforma esta raiva em participação, colocando-a de frente, sem medo, demonstrando, contra todos os estereótipos, que os calabreses não querem e não podem desistir. Uma consciência nova, mais enraizada e mais forte, que supera a apatia e a indiferença. Além disso, há cada vez mais membros da ‘ndrine que decidem colaborar com a justiça. Este fenômeno é absolutamente novo no panorama criminal de Vibo. Destacados expoentes da ‘ndrangheta local que, ao fornecerem elementos úteis às investigações, nos dão pedaços da importante história do território, revelando tramas e tramas, conivências e deferências. Colaborações que demonstram o desaparecimento daquela imagem hermética e granítica da ‘Ndrangheta, desmoronando aquele muro de silêncio, que sempre foi a base do seu poder. Este elemento é também corroborado pelos diferentes testemunhos prestados nos diversos processos por mulheres, que até ontem estavam submetidas a um poder patriarcal, hoje, protagonistas de uma nova frente na luta contra a ‘Ndrangheta.

E, mais uma vez, é o sinal que vem do aumento das reclamações resultantes da recuperação da confiança no Estado. Já não somos o povo que envolve no silêncio a opressão, que abdica do papel de cidadania ativa e responsável, que esquece que tem direitos. Existem novas formas de resistência graças a um Estado que hoje, em Vibo Valentia, recuperou a sua centralidade, pelo menos do ponto de vista repressivo, e parece forte e credível porque as pessoas, homens e mulheres, que o representam são credíveis. Uma ação eficaz e concreta que deve também colocar a política na vanguarda na garantia daqueles direitos fundamentais cuja negação sempre representou húmus fértil para a proliferação de máfias e da mafiosidade.

Todos os aspectos estratégicos que, no seu conjunto, devem representar um pré-requisito essencial para uma contra-narrativa da nossa terra, funcional para dar força e coragem àqueles que ainda são vítimas do jugo mafioso. O caminho é o certo e está traçado, cabe a cada um de nós segui-lo com passos seguros e responsáveis.

Felipe Costa